ÁFRICA, GIGANTE COM PÉS DE BARRO
O
cenário político, econômico e social da África Subsaariana melhorou na última
década. Embora
mantenha grandes desigualdades.
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Refugiados no Sudão
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Os
acontecimentos no Sudão contribuem para o clima de otimismo em relação à África
Subsaariana. As nações que ocupam essa vasta porção de terra ao sul do deserto
do Saara ficaram à margem da globalização na década de 1990, imersas em
pobreza, fome, doenças e guerras. Mas dados sociais e econômicos recentes
indicam que essa situação está mudando.
Virada
A África
Subsaariana engloba 47 nações predominantemente negras, em contraposições aos
países de cultura árabe, que compõem a África Setentrional. É a região mais
pobre do mundo, mas com grande potencial para crescer. Estudo publicado pela
revista The Economist mostra que na primeira década do século do século XXI
seis entre as dez economias de crescimento mais acelerado no planeta ficam na
África Subsaariana. O Produto Interno Bruto (PIB) da região expandiu-se, em
média, a uma taxa de 5,7% ao ano – mais que o dobro da década anterior, 2,4%.
A África é
agraciada com vastos recursos naturais que, por décadas, serviram mais de
combustível para conflitos que para seu desenvolvimento. As coisas estão
mudando. A demanda mundial por energia e matérias-primas (commodities) e a alta
no preço internacional de produtos agrícolas têm impulsionado a economia de
todas as nações, principalmente as subsaarianas. Assim, a extração de petróleo
estimula a expansão de Angola, Congo, Nigéria, Chade e, recentemente, Gana. A
venda de minerais estratégicos é o motor do crescimento em Moçambique,
República Democrática do Congo, Tanzânia e Zâmbia. E a exportação favorece
economias agrárias fortes, como Etiópia (café), Quênia (café e chá) e Malauí
(tabaco).
A China é o
país que mais vem se aproximando da África. A sede por matérias-primas tem
feito o gigante asiático investir nos setores de energia e minérios e em obras
de infraestrutura (pontes, estradas e ferrovias). O comércio bilateral entre
China e nações africanas, que somava 10,6 bilhões de dólares em 2000, chega a
115 bilhões em 2010.
A África
Subsaariana conta ainda com ajuda financeira internacional e com programas de
perdão da dívida externa. Por fim, o aumento da renda da população começa a aquecer
o consumo interno. Entre 2000 e 2010, o PIB per capita africano cresceu, em
média, 3% ao ano. Compare: entre 1990 e 2000, o PIB per capita caiu anualmente
0,7%, em média.
O FMI divide
o mundo entre países com economia avançada e os outros, chamados de
"emergentes e em desenvolvimento". No primeiro grupo estão 33 países.
No segundo, 149 - um terço deles é de africanos.
O
desenvolvimento econômico começa a se refletir, também, nos índices sociais. De
todas as regiões do mundo, a África Subsaariana é a que registra os avanços
mais notáveis no cumprimento das metas dos Objetivos do Milênio. Estabelecidos
pela Organização das Nações Unidas (ONU), os objetivos pretendem a redução
significativa da pobreza e a melhora da saúde e da educação no planeta até 2015.
Na África
Subsaariana, entre 2000 e 2009, o número de matrículas no Ensino Fundamental
subiu 14%. Entre 1990 e 2008, houve queda de 22% na mortalidade infantil e uma
ampliação de 22% no acesso à água potável. E, por fim, a epidemia de AIDS, que
flagela a região há décadas, também começa a ceder. O total de novas infecções
pelo HIV, o vírus da AIDS, caiu de 2,2 milhões para 1,8 milhão.
Desafios
Apesar dos
avanços, a África Subsaariana tem um longo caminho pela frente. Os índices
econômicos e sociais são muito baixos. A região mantém o recorde mundial de
maior número de infectados pelo HIV (22,5 milhões do total de 33 milhões, em
2009). A economia ainda depende fortemente da exportação de matérias-primas
(commodities), que têm baixo valor agregado. Todas as riquezas produzidas pelos
países da área somaram menos de 1 trilhão de dólares em 2009, o que representa
menos de 2% do PIE mundial, que foi de 58 trilhões de dólares naquele ano.
Metade dos 840 milhões de habitantes da região vive abaixo da linha de pobreza
definida pela ONU (com até 1,25 dólar por dia), e o índice de subnutrição
persiste como o maior do planeta, afetando 26%da população.
Um dos
grandes obstáculos ao desenvolvimento da região é o predomínio de governos
autoritários. No ranking da fundação Mo Ibrahim sobre a governabilidade na
África, a média a1cançada pelo continente em 2010 foi 49, numa escala de O a
100. O índice Mo Ibrahim avalia os países africanos com base em quatro
critérios: segurança e estado de direito, participação política e direitos
humanos, oportunidades econômicas e desenvolvimento humano. Apenas cinco países
obtiveram nota acima de 70. Esses polos de estabilidade são ilhas (Maurício,
Seicheles e Cabo Verde) ou territórios no extremo sul (África do Sul e
Botsuana). As nações com a pior cotação são todas subsaarianas: Somália, Chade
e República Democrática do Congo.
Conflitos
O atraso
econômico e a propagação da miséria motivam embates entre grupos rivais. No
caso da África Subsaariana, a luta é sobretudo pelo controle de riquezas
naturais. Os embates são, também, herança do colonialismo. A divisão
geopolítica do continente pelas potências europeias, no século XIX, desenhou de
forma arbitrária as fronteiras nacionais, reunindo grupos étnicos hostis num
mesmo estado e separando povos de mesma origem em diferentes países.
Atualmente,
há uma média anual de 2,6 conflitos de alta intensidade (com mais de mil mortes
por ano) - bem abaixo da média de 4,8 registrada nos anos 1990. No entanto, o
continente está distante da pacificação. O banco de dados da Universidade de
Uppsala registra a ocorrência de conflitos em 26 nações da região entre 2000 e
2009.
É na África
que a ONU concentra a maior parte de suas forças de paz. No fim de 2010,
aproximadamente 70 mil soldados atuavam em sete missões na região. Ao mesmo
tempo, a ONU estimula a participação da União Africana (UA) na promoção da
segurança e da paz. A UA é uma organização que reúne as 53 nações africanas
para decisões político-administrativas com vistas ao desenvolvimento do
continente. As forças da UA já fizeram intervenções militares no Burundi e nas
ilhas Comores. Agora, atuam no Sudão e na Somália.
Somália
A Somália é
palco de uma guerra civil entre clãs rivais que já dura duas décadas. No início
dos anos 1990, os Estados Unidos intervieram militarmente. Depois foi a vez de
uma missão de paz da ONU, que também deixou o país sem conseguir controlar os
conflitos. Em 2004, formou-se um governo de transição, mas a entrada em cena de
milícias islâmicas trouxe nova dimensão ao conflito. A guerrilha islâmica
resistiu à massiva ofensiva de tropas da Etiópia - que ocuparam o país entre
2006 e janeiro de 2009 - e passou a dominar o sul e o centro do território. No
fim de 2010, 8 mil soldados da União Africana garantiam a sobrevivência do
cambaleante governo somali. Em 2011, o contingente das tropas da UA subiu para
12 mil militares.
A principal
milícia islâmica, a AI Shabab, tem ligações com a rede AI Qaeda e transforma o
país em santuário do terrorismo islâmico internacional, atraindo guerrilheiros
da Jihad (guerra santa) de várias partes do mundo. A desagregação da Somália
favorece a ação de piratas no golfo de Áden, na entrada do mar vermelho, uma
das principais rotas comerciais do planeta. Mesmo com o intenso patrulhamento,
os piratas capturaram, apenas em 2010, 49 navios com mais de mil tripulantes.
Costa do Marfim
Essa
ex-colônia francesa, grande produtora de cacau, era considerada um oásis de
prosperidade até a eclosão da guerra civil, em 2002. O conflito trouxe à tona a
divisão entre o norte, pobre, e o sul, mais desenvolvido. Os rebeldes dominaram
a metade norte da Costa do Marfim, mas começaram a se desarmar em 2007, como
parte de um acordo que determinou a formação de um governo de unidade nacional
e a realização de eleições. O pleito foi adiado repetidas vezes, até novembro
de 2010. Mas, em vez de restaurarem a paz e a unidade, as eleições levaram o
país à beira de nova guerra. Laurent Gbagbo, um sulista que está na Presidência
desde 2000, foi derrotado por seu opositor, AIassane Ouattara, que tem o
suporte do norte. Mas Gbagbo, que controla as Forças Armadas, recusa-se a
deixar o poder, apesar da pressão da ONU, da UA e da União Europeia. Em
fevereiro de 2011, o país continuava no impasse, e a Comunidade Econômica dos
Estados da África Ocidental (Ecowas) ameaçava intervir militarmente para depor
Gbagbo.
A segunda
maior missão de paz da ONU, com mais de 19 mil soldados, atua na República
Democrática do Congo (RDC). Nesse país gigantesco no coração da África, os
capacetes azuis asseguram uma paz frágil, selada em 2003, que interrompeu quase
uma década de guerra. A origem do conflito remonta a 1994, quando centenas de
milhares de refugiados hutus de Ruanda ingressaram no leste do país,
desestabilizando a região, habitada pelos tutsis.
Apesar do
término oficial da guerra, a tensão étnica prossegue no leste, onde milícias
rivais e tropas do governo se enfrentam e disputam o controle das riquezas
minerais da região, principalmente diamante e ouro. A violência atinge
essencialmente a população civil, vitima de massacres e estupros, apesar da
presença de tropas da ONU. Segundo o Comitê Internacional de Resgate, mais de 5
milhões de pessoas morreram na RDC entre 1998 e 2008, em sua maioria de fome e
de doenças.
Sudão
A maior
missão de paz da ONU, com mais de 21 mil homens, está no Sudão. E pode ser que
não demore muito a se retirar. Se tudo correr como o planejado, em julho de
2011 o sul do Sudão declarará formalmente independência, formando um novo pais,
provavelmente sob o nome de República do Sudão do Sul.
A divisão da
maior nação da África consagra o divórcio entre duas regiões de realidades
contrastantes. Enquanto o norte, de clima desértico, tem uma população de
maioria árabe-muçulmana, o sul, recoberto de pastagens, pântanos e florestas
tropicais, reúne mais de 200 grupos étnicos, de cultura cristã ou animista. As
disparidades são grandes, também, nas questões econômicas e sociais: o norte é
mais rico e desenvolvido, e o sul, pobre e marginalizado pelo poder central, em
Cartum. A guerra separatista eclodiu no sul em 1983. Até a assinatura do acordo
de paz, em 2005, cerca de 2 milhões de habitantes foram mortos.
O referendo
de janeiro de 2011 encerrou a longa luta do sul pela independência Mas as duas
partes ainda precisam dividir a receita proveniente do petróleo, a principal
fonte de riqueza do Sudão. A maioria dos campos petrolíferos fica no sul, que
depende do Norte para escoar a produção pelo oleoduto até o mar. Por isso,
acredita-se que os dois lados cheguem a um acordo com relativa facilidade.
Mais controversa
é a demarcação da fronteira entre as duas metades, em especial na região de
Abyei, onde mundo árabe e o africano se encontram, provocando disputas por
terra e água. Os africanos dinka ngok vivem da criação de gado nas pastagens da
região. Os misseriya, que são árabes nômades, também alimentam seus rebanhos em
Abyei, o que causa confrontos armados intermitentes. Abyei também é rica em
petróleo, mas o norte e sul aceitaram a divisão das reservas da região feita
pelo Tribunal de Haia, em 2009.
Com a independência
do sul, chegou a hora de decidir o futuro de Abyei. Para os misseriya, a região
pertence ao Norte, para os dinka ngok, ao sul. Um referendo em Abyei vem sendo
adiado porque não há acordo sobre a participação dos misseriya. Caso se decida
pela criação de uma fronteira "flexível", com livre trânsito de bens
e pessoas, ao menos parte dos problemas estará resolvida.
Fonte :: Atualidades Vestibular 2011