quinta-feira, 31 de maio de 2012

África: Gigante com os Pés de Barro


ÁFRICA, GIGANTE COM PÉS DE BARRO

O cenário político, econômico e social da África Subsaariana melhorou na última década. Embora mantenha grandes desigualdades.



 
Refugiados no Sudão
O ano começou com a promessa do nascimento de um novo Estado africano. Em janeiro, quase 99% da população do sul do Sudão votou pela independência do sul da região, após a longa guerra separatista contra o poder central, do norte. Se efetivamente se consolidar a independência, esta será o 193ª Estado membro da ONU e a 54ª da África. O referendo, previsto no acordo de paz de 2005, era aguardado com apreensão pela comunidade internacional, pois temia-se um novo conflito norte-sul. Mas a consulta ocorreu sem sobressaltos, e o governo do Sudão reconheceu o resultado.

Os acontecimentos no Sudão contribuem para o clima de otimismo em relação à África Subsaariana. As nações que ocupam essa vasta porção de terra ao sul do deserto do Saara ficaram à margem da globalização na década de 1990, imersas em pobreza, fome, doenças e guerras. Mas dados sociais e econômicos recentes indicam que essa situação está mudando.

Virada

A África Subsaariana engloba 47 nações predominantemente negras, em contraposições aos países de cultura árabe, que compõem a África Setentrional. É a região mais pobre do mundo, mas com grande potencial para crescer. Estudo publicado pela revista The Economist mostra que na primeira década do século do século XXI seis entre as dez economias de crescimento mais acelerado no planeta ficam na África Subsaariana. O Produto Interno Bruto (PIB) da região expandiu-se, em média, a uma taxa de 5,7% ao ano – mais que o dobro da década anterior, 2,4%.

A África é agraciada com vastos recursos naturais que, por décadas, serviram mais de combustível para conflitos que para seu desenvolvimento. As coisas estão mudando. A demanda mundial por energia e matérias-primas (commodities) e a alta no preço internacional de produtos agrícolas têm impulsionado a economia de todas as nações, principalmente as subsaarianas. Assim, a extração de petróleo estimula a expansão de Angola, Congo, Nigéria, Chade e, recentemente, Gana. A venda de minerais estratégicos é o motor do crescimento em Moçambique, República Democrática do Congo, Tanzânia e Zâmbia. E a exportação favorece economias agrárias fortes, como Etiópia (café), Quênia (café e chá) e Malauí (tabaco).

 Índices Socioeconômicos

A China é o país que mais vem se aproximando da África. A sede por matérias-primas tem feito o gigante asiático investir nos setores de energia e minérios e em obras de infraestrutura (pontes, estradas e ferrovias). O comércio bilateral entre China e nações africanas, que somava 10,6 bilhões de dólares em 2000, chega a 115 bilhões em 2010.

A África Subsaariana conta ainda com ajuda financeira internacional e com programas de perdão da dívida externa. Por fim, o aumento da renda da população começa a aquecer o consumo interno. Entre 2000 e 2010, o PIB per capita africano cresceu, em média, 3% ao ano. Compare: entre 1990 e 2000, o PIB per capita caiu anualmente 0,7%, em média.

O FMI divide o mundo entre países com economia avançada e os outros, chamados de "emergentes e em desenvolvimento". No primeiro grupo estão 33 países. No segundo, 149 - um terço deles é de africanos.

O desenvolvimento econômico começa a se refletir, também, nos índices sociais. De todas as regiões do mundo, a África Subsaariana é a que registra os avanços mais notáveis no cumprimento das metas dos Objetivos do Milênio. Estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), os objetivos pretendem a redução significativa da pobreza e a melhora da saúde e da educação no planeta até 2015.

Na África Subsaariana, entre 2000 e 2009, o número de matrículas no Ensino Fundamental subiu 14%. Entre 1990 e 2008, houve queda de 22% na mortalidade infantil e uma ampliação de 22% no acesso à água potável. E, por fim, a epidemia de AIDS, que flagela a região há décadas, também começa a ceder. O total de novas infecções pelo HIV, o vírus da AIDS, caiu de 2,2 milhões para 1,8 milhão.

Desafios

Apesar dos avanços, a África Subsaariana tem um longo caminho pela frente. Os índices econômicos e sociais são muito baixos. A região mantém o recorde mundial de maior número de infectados pelo HIV (22,5 milhões do total de 33 milhões, em 2009). A economia ainda depende fortemente da exportação de matérias-primas (commodities), que têm baixo valor agregado. Todas as riquezas produzidas pelos países da área somaram menos de 1 trilhão de dólares em 2009, o que representa menos de 2% do PIE mundial, que foi de 58 trilhões de dólares naquele ano. Metade dos 840 milhões de habitantes da região vive abaixo da linha de pobreza definida pela ONU (com até 1,25 dólar por dia), e o índice de subnutrição persiste como o maior do planeta, afetando 26%da população.

Um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento da região é o predomínio de governos autoritários. No ranking da fundação Mo Ibrahim sobre a governabilidade na África, a média a1cançada pelo continente em 2010 foi 49, numa escala de O a 100. O índice Mo Ibrahim avalia os países africanos com base em quatro critérios: segurança e estado de direito, participação política e direitos humanos, oportunidades econômicas e desenvolvimento humano. Apenas cinco países obtiveram nota acima de 70. Esses polos de estabilidade são ilhas (Maurício, Seicheles e Cabo Verde) ou territórios no extremo sul (África do Sul e Botsuana). As nações com a pior cotação são todas subsaarianas: Somália, Chade e República Democrática do Congo.

Conflitos

O atraso econômico e a propagação da miséria motivam embates entre grupos rivais. No caso da África Subsaariana, a luta é sobretudo pelo controle de riquezas naturais. Os embates são, também, herança do colonialismo. A divisão geopolítica do continente pelas potências europeias, no século XIX, desenhou de forma arbitrária as fronteiras nacionais, reunindo grupos étnicos hostis num mesmo estado e separando povos de mesma origem em diferentes países.

Algumas característica do continente africano

Atualmente, há uma média anual de 2,6 conflitos de alta intensidade (com mais de mil mortes por ano) - bem abaixo da média de 4,8 registrada nos anos 1990. No entanto, o continente está distante da pacificação. O banco de dados da Universidade de Uppsala registra a ocorrência de conflitos em 26 nações da região entre 2000 e 2009.

É na África que a ONU concentra a maior parte de suas forças de paz. No fim de 2010, aproximadamente 70 mil soldados atuavam em sete missões na região. Ao mesmo tempo, a ONU estimula a participação da União Africana (UA) na promoção da segurança e da paz. A UA é uma organização que reúne as 53 nações africanas para decisões político-administrativas com vistas ao desenvolvimento do continente. As forças da UA já fizeram intervenções militares no Burundi e nas ilhas Comores. Agora, atuam no Sudão e na Somália.

Somália

A Somália é palco de uma guerra civil entre clãs rivais que já dura duas décadas. No início dos anos 1990, os Estados Unidos intervieram militarmente. Depois foi a vez de uma missão de paz da ONU, que também deixou o país sem conseguir controlar os conflitos. Em 2004, formou-se um governo de transição, mas a entrada em cena de milícias islâmicas trouxe nova dimensão ao conflito. A guerrilha islâmica resistiu à massiva ofensiva de tropas da Etiópia - que ocuparam o país entre 2006 e janeiro de 2009 - e passou a dominar o sul e o centro do território. No fim de 2010, 8 mil soldados da União Africana garantiam a sobrevivência do cambaleante governo somali. Em 2011, o contingente das tropas da UA subiu para 12 mil militares.

A principal milícia islâmica, a AI Shabab, tem ligações com a rede AI Qaeda e transforma o país em santuário do terrorismo islâmico internacional, atraindo guerrilheiros da Jihad (guerra santa) de várias partes do mundo. A desagregação da Somália favorece a ação de piratas no golfo de Áden, na entrada do mar vermelho, uma das principais rotas comerciais do planeta. Mesmo com o intenso patrulhamento, os piratas capturaram, apenas em 2010, 49 navios com mais de mil tripulantes.

Costa do Marfim

Essa ex-colônia francesa, grande produtora de cacau, era considerada um oásis de prosperidade até a eclosão da guerra civil, em 2002. O conflito trouxe à tona a divisão entre o norte, pobre, e o sul, mais desenvolvido. Os rebeldes dominaram a metade norte da Costa do Marfim, mas começaram a se desarmar em 2007, como parte de um acordo que determinou a formação de um governo de unidade nacional e a realização de eleições. O pleito foi adiado repetidas vezes, até novembro de 2010. Mas, em vez de restaurarem a paz e a unidade, as eleições levaram o país à beira de nova guerra. Laurent Gbagbo, um sulista que está na Presidência desde 2000, foi derrotado por seu opositor, AIassane Ouattara, que tem o suporte do norte. Mas Gbagbo, que controla as Forças Armadas, recusa-se a deixar o poder, apesar da pressão da ONU, da UA e da União Europeia. Em fevereiro de 2011, o país continuava no impasse, e a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Ecowas) ameaçava intervir militarmente para depor Gbagbo.


África em números

 República Democrática do Congo

A segunda maior missão de paz da ONU, com mais de 19 mil soldados, atua na República Democrática do Congo (RDC). Nesse país gigantesco no coração da África, os capacetes azuis asseguram uma paz frágil, selada em 2003, que interrompeu quase uma década de guerra. A origem do conflito remonta a 1994, quando centenas de milhares de refugiados hutus de Ruanda ingressaram no leste do país, desestabilizando a região, habitada pelos tutsis.

Apesar do término oficial da guerra, a tensão étnica prossegue no leste, onde milícias rivais e tropas do governo se enfrentam e disputam o controle das riquezas minerais da região, principalmente diamante e ouro. A violência atinge essencialmente a população civil, vitima de massacres e estupros, apesar da presença de tropas da ONU. Segundo o Comitê Internacional de Resgate, mais de 5 milhões de pessoas morreram na RDC entre 1998 e 2008, em sua maioria de fome e de doenças.

Sudão

A maior missão de paz da ONU, com mais de 21 mil homens, está no Sudão. E pode ser que não demore muito a se retirar. Se tudo correr como o planejado, em julho de 2011 o sul do Sudão declarará formalmente independência, formando um novo pais, provavelmente sob o nome de República do Sudão do Sul.

Tropa armada no Sudão

A divisão da maior nação da África consagra o divórcio entre duas regiões de realidades contrastantes. Enquanto o norte, de clima desértico, tem uma população de maioria árabe-muçulmana, o sul, recoberto de pastagens, pântanos e florestas tropicais, reúne mais de 200 grupos étnicos, de cultura cristã ou animista. As disparidades são grandes, também, nas questões econômicas e sociais: o norte é mais rico e desenvolvido, e o sul, pobre e marginalizado pelo poder central, em Cartum. A guerra separatista eclodiu no sul em 1983. Até a assinatura do acordo de paz, em 2005, cerca de 2 milhões de habitantes foram mortos.

O referendo de janeiro de 2011 encerrou a longa luta do sul pela independência Mas as duas partes ainda precisam dividir a receita proveniente do petróleo, a principal fonte de riqueza do Sudão. A maioria dos campos petrolíferos fica no sul, que depende do Norte para escoar a produção pelo oleoduto até o mar. Por isso, acredita-se que os dois lados cheguem a um acordo com relativa facilidade.

Mais controversa é a demarcação da fronteira entre as duas metades, em especial na região de Abyei, onde mundo árabe e o africano se encontram, provocando disputas por terra e água. Os africanos dinka ngok vivem da criação de gado nas pastagens da região. Os misseriya, que são árabes nômades, também alimentam seus rebanhos em Abyei, o que causa confrontos armados intermitentes. Abyei também é rica em petróleo, mas o norte e sul aceitaram a divisão das reservas da região feita pelo Tribunal de Haia, em 2009.

Com a independência do sul, chegou a hora de decidir o futuro de Abyei. Para os misseriya, a região pertence ao Norte, para os dinka ngok, ao sul. Um referendo em Abyei vem sendo adiado porque não há acordo sobre a participação dos misseriya. Caso se decida pela criação de uma fronteira "flexível", com livre trânsito de bens e pessoas, ao menos parte dos problemas estará resolvida.


Fonte :: Atualidades Vestibular 2011

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