A partilha da África (I)
23/6/2007 9:50, Boaventura de Sousa Santos
Tudo leva a crer que estejamos perante uma nova partilha da África. A do final do século XIX foi protagonizada pelos países europeus em busca de matérias-primas que sustentassem o desenvolvimento capitalista e tomou a forma de dominação colonial. A do início do século XXI tem um conjunto de protagonistas mais amplo e ocorre através de relações bilaterais entre países independentes. Para além dos “velhos” países europeus, a partilha inclui agora os EUA, a China, outros países “emergentes” (Índia, Brasil, Israel, etc.) e mesmo um país africano, a África do Sul. Mas a luta continua a ser por recursos naturais (desta vez, sobretudo petróleo) e continua a ser musculada, com componentes econômicos, diplomáticos e militares. Tragicamente, tal como antes, é bem possível que a grande maioria dos povos africanos pouco beneficie da exploração escandalosamente lucrativa dos seus recursos.
Os EUA importam hoje mais petróleo de África do que da Arábia Saudita e calcula-se que em 2015 25% venha do continente. Angola é já o segundo maior exportador africano para os EUA (depois da Nigéria). Por sua vez, a China faz vastíssimos investimentos em África, os maiores dos quais em Angola que, no ano passado, se tornou o maior fornecedor de petróleo à China. E o comércio bilateral entre os dois países ultrapassou os 5 bilhões de dólares. Entretanto, as empresas multinacionais sul-africanas expandem-se agressivamente no continente nas áreas da energia, telecomunicações, construção, comércio e turismo. Ao contrário do que se poderia esperar de um governo do Congresso Nacional Africano (ANC) de Nelson Mandela, não as move o pan-africanismo. Move-as o capitalismo neoliberal puro e duro, imitando bem as concorrentes do Norte.
A primeira partilha de África conduziu à Primeira Guerra Mundial e submeteu o continente a um colonialismo predador. E a atual? A luta agora se centra no petróleo e na distribuição dos rendimentos do petróleo. Uma visita breve a Luanda é suficiente para avaliar da vertigem da construção civil a cargo de empresas chinesas, portuguesas e brasileiras, da selva urbana do trânsito, dos luxuosos condomínios fechados, alugados às empresas petrolíferas, da lotação dos hotéis esgotada com meses de antecedência, enfim, da palavra “negócio” e “empresa” na boca de toda a gente que tem um veículo de tração às quatro rodas ou aspira tê-lo.
Nada disto chocaria, sobretudo num país só há trinta anos libertado do colonialismo, devastado por uma guerra fratricida fomentada pela África do Sul do apartheid e depois financiada pelos amigos de hoje até estes se convencerem de que a paz poderia ser um bom negócio, um país com carências abissais de infra-estruturas sem as quais não será possível qualquer desenvolvimento. O que choca é que, paredes meias com o mundo da renda petrolífera, viva a grande maioria da população de Luanda na mais abjeta miséria dos musseques em barracas de zinco e cartão, sem luz nem saneamento, pagando caro pela água potável, com lixeiras e esgotos pestilentos servindo de recreio às crianças cuja mortalidade é das mais altas do continente.
Os EUA importam hoje mais petróleo de África do que da Arábia Saudita e calcula-se que em 2015 25% venha do continente. Angola é já o segundo maior exportador africano para os EUA (depois da Nigéria). Por sua vez, a China faz vastíssimos investimentos em África, os maiores dos quais em Angola que, no ano passado, se tornou o maior fornecedor de petróleo à China. E o comércio bilateral entre os dois países ultrapassou os 5 bilhões de dólares. Entretanto, as empresas multinacionais sul-africanas expandem-se agressivamente no continente nas áreas da energia, telecomunicações, construção, comércio e turismo. Ao contrário do que se poderia esperar de um governo do Congresso Nacional Africano (ANC) de Nelson Mandela, não as move o pan-africanismo. Move-as o capitalismo neoliberal puro e duro, imitando bem as concorrentes do Norte.
A primeira partilha de África conduziu à Primeira Guerra Mundial e submeteu o continente a um colonialismo predador. E a atual? A luta agora se centra no petróleo e na distribuição dos rendimentos do petróleo. Uma visita breve a Luanda é suficiente para avaliar da vertigem da construção civil a cargo de empresas chinesas, portuguesas e brasileiras, da selva urbana do trânsito, dos luxuosos condomínios fechados, alugados às empresas petrolíferas, da lotação dos hotéis esgotada com meses de antecedência, enfim, da palavra “negócio” e “empresa” na boca de toda a gente que tem um veículo de tração às quatro rodas ou aspira tê-lo.
Nada disto chocaria, sobretudo num país só há trinta anos libertado do colonialismo, devastado por uma guerra fratricida fomentada pela África do Sul do apartheid e depois financiada pelos amigos de hoje até estes se convencerem de que a paz poderia ser um bom negócio, um país com carências abissais de infra-estruturas sem as quais não será possível qualquer desenvolvimento. O que choca é que, paredes meias com o mundo da renda petrolífera, viva a grande maioria da população de Luanda na mais abjeta miséria dos musseques em barracas de zinco e cartão, sem luz nem saneamento, pagando caro pela água potável, com lixeiras e esgotos pestilentos servindo de recreio às crianças cuja mortalidade é das mais altas do continente.
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
Luanda mais um país africano que tem seus recursos petroliferos explorados sem reverter um centavo a população miseravel...até quando isso permanecerá?
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ResponderExcluirMárcio, ainda não tinha lido a postagem. Muito interessante, notadamente no trecho que Santos nos fala de um jogo de interesses relacionado às possibilidades de ganhos econômicos associados à manutenção da "paz". Realmente, como podemos definir a "paz" numa situação em que prevalece a miséria, falta de acesso da população a serviços básicos, empregos, cultura, enfim, uma verdadeira inclusão social.
ExcluirMárcio, ainda não tinha lido a postagem. Muito interessante, notadamente no trecho que Santos nos fala de um jogo de interesses relacionado às possibilidades de ganhos econômicos associados à manutenção da "paz". Realmente, como podemos definir a "paz" numa situação em que prevalece a miséria, falta de acesso da população a serviços básicos, empregos, cultura, enfim, uma verdadeira inclusão social.
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